
Uma breve história desse importante reino que comandou o Império Alemão
Não é incomum estarmos passeando por Berlim com nossos viajantes e a pergunta surgir: “o que danado é Prússia?”
E compreender a Prússia é essencial para entender a história de Berlim, da Alemanha e, por que não, do mundo.
A Prússia era inicialmente um território no atual norte da Polônia. Desde a época dos romanos a região era mencionada com o nome latino Borussia (nessa altura, se você é fã de futebol já fez uma conexão aqui…).
Bom, no século XIII, os Cavaleiros da Ordem Teutônica germanizaram a região.
Através da Bula de Rieti, escrita em 1234, o Papa Gregório IX coloca aquele território sob domínio “eterno e absoluto” da Ordem Teutônica.
Isso significava que nenhuma autoridade secular teria direitos sobre a Prússia.
Porém, no século XV, houve a chamada Guerra dos 13 anos (1454-1466). De um lado a Ordem Teutônica, do outro o Duque da Pomerânia e o Rei da Polônia. Os Cavaleiros Teutônicos perderam a guerra e assinaram o tratado de paz de Torun, em 1466.
Com isso a Prússia vira um ducado secularizado e, até certa medida, sob domínio polonês. Entretanto várias questões sobre a autonomia da região em relação ao reino polonês permaneceram.
A Prússia retorna às mãos germânicas
Em 1618, o príncipe-eleitor (Kurfürst em alemão) de Brandemburgo herda o ducado da Prússia.
Mas somente depois da guerra dos 30 anos, que assolou boa parte da Europa, é que os príncipes-eleitores de Brandemburgo podem dar uma atenção maior à região.
O filho e sucessor do grande Kurfürst, depois de ter seus domínios estabilizados, começa uma negociação com o imperador do Sacro Império.
Essa negociação durou cerca de 10 anos.
E o que ele queria?
Bem, o Kurfürst Friedrich III de Brandemburgo se aproveitou daquelas questões sobre a autonomia da Prússia frente ao reino polonês. Isso lhe deu margem de negociação com o imperador para que ele fosse “promovido” e obtivesse mais prestígio em toda a Europa como “Rei na Prússia”.
Em 1701, depois de muita negociação, o príncipe-eleitor de Brandemburgo Friedrich III coroa a si próprio em Königsberg.

A partir daí, o Kurfürst Friedrich III passa a se chamar também Friedrich I na Prússia.
Note que ele era sim rei, mas rei na Prússia. Não era rei da Prússia.
Esse título só foi conseguido décadas mais tarde pelo seu neto, o Friedrich II, ou Frederico o Grande.
História da Prússia sob os Hohenzollern
Os Hohenzollern recebem o território de Brandemburgo em 1417.
Na época era uma das regiões mais pobres de todo o Sacro Império.
Os Hohenzollern foram uma das dinastias mais poderosas da Europa e do mundo por séculos.

Mas quando eles assumiram as marcas de Brandemburgo, mesmo depois de várias reformas e avanços, esse território não era de grande importância em nível europeu.
Isso explica, por exemplo, o porquê de Berlim não ter construções medievais grandiosas. (Os prédios mais antigos da cidade vocês podem ver num post que fiz aqui.)
A quase irrelevância de Brandemburgo pode ser vista a partir da Guerra dos 30 anos (1618-1648).
Brandemburgo e seus regentes, todos da dinastia dos Hohenzollern, foram transformados em fantoches pelas potências da época.
Durante a Guerra dos 30 anos, Brandemburgo serve como massa de manobra das potências combatentes.
Ora é invadida pelo sacro império, ora pelo reino sueco.
Berlim chega a ser ocupada por 1000 soldados suecos em 1631.
Nesse mesmo ano, um quarto de toda população de Berlim morre acometida pela peste negra.
Em 1643, a população de Berlim já tinha diminuído quase pela metade.
Uma das medidas tomadas pelo príncipe-eleitor, Friedrich Wilhelm, para repopular Berlim, foi a de convidar famílias de huguenotes, protestantes franceses, assim como judeus para a cidade.
Houve um momento em que um quarto da população de Berlim era constituída por franceses.
Cansado de ter seu território vilipendiado, Friedrich Wilhelm, que mais tarde seria conhecido pelo título de “o Grande Príncipe-Eleitor” (der Große Kurfürst), criou um exército de 2700 homens.
Esses 2700 soldados foram os precursores do temido exército prussiano.
Pois bem, foi exatamente o filho do Grande Príncipe-Eleitor que se tornou rei na Prússia ali na imagem da coroação lá em cima.
De 1650 até 1709, a população de Berlim foi de 6.000 pessoas para mais de 50.000.
A supremacia militar prussiana
Mudanças bem simples fizeram com que o exército prussiano fosse um dos mais disciplinados e modernos.
Uma das inovações mais significativas foi uma mera vareta de metal.
Sim, o armamento mais importante para uma infantaria da época era o mosquete. Eles eram carregados pela frente. Colocava-se a pólvora e depois a socava com uma vareta de madeira por dentro do cano da arma. Isso tudo antes de colocar a munição e poder atirar.
Ao príncipe Leopold I de Anhalt-Dessau é atribuída a utilização das varetas de metal.
Essa simples inovação permitia que os mosquetes fossem carregados mais rapidamente. Pelo fato de a vareta ser de metal, e não mais de madeira, ela não quebrava mais dentro do armamento, algo que atrapalhava uma batalha inteira.
Leopold I de Anhalt-Dessau serviu aos reis Friedrich I (aquele que negociou virar rei com o imperador), Friedrich Wilhelm I (também conhecido como rei soldado) e ao Friedrich II (“O Grande”, o que conquistou o título de Rei da Prússia).
Outro avanço fundamental do príncipe-eleitor foi o treinamento de sua infantaria. Tudo funcionava como e com um relógio.
Sim, durante os treinos de suas tropas relógios eram usados para cronometrar as manobras.
Todos os soldados executavam seus movimentos simultaneamente.
Isso fazia com que eles fossem não só mais precisos, rápidos e intimidantes, mas também com que eles estivessem muito mais disciplinados que outros exércitos e não fugissem da batalha instintivamente.
Parece desimportante? Pois somente com essas simples inovações, um atirador prussiano conseguia dar 3 tiros por minuto.
Acha pouco?
Isso representa uma melhora de 50% em relação aos exércitos da época, já que todos os exércitos inimigos conseguiam dar no máximo 2.
Imagine milhares de soldados dando 50% mais tiros do que os inimigos.
E tudo isso simultaneamente, todos se movendo igualmente e pouquíssimos fugindo no meio das batalhas…
Pois é! Aí é que a Europa começa a prestar atenção na Prússia.
O segundo rei na Prússia, Friedrich Wilhelm I, ficou conhecido da história como O rei soldado. Isso porque ele abriu mão de qualquer luxo e pompa para investir tudo o que ele tinha em exército.
Nos 27 anos de seu reinado, suas tropas dobraram de tamanho. Chegaram a 83.000 homens. Todo mundo tinha alguns soldados como parentes.
A vida militar era muito presente nessa época. Em Berlim já era bem notável.
Em 1725, os soldados do rei Friedrich Wilhelm I só podiam andar uniformizados nas ruas.
Respirava-se militarismo.
Ironicamente Friedrich Wilhelm I nunca entrou numa guerra.
Nessa época, Berlim já era a segunda maior cidade germânica depois de Viena e contava com cerca de 100.000 habitantes.
O Primeiro Rei da Prússia: Frederico, o Grande
Friedrich II, ou Frederico “o Grande”, assumiu o trono em 1740 e permaneceu até sua morte em 1786.
Foram 46 anos de um reinado que mudou não só a cara de Berlim e da Prússia, mas de toda a Europa.

Ainda antes de se tornar rei, o filho e sucessor do rei soldado mostrava-se mais inclinado às artes. Ele era um intelectual. Conhecia de arquitetura, belas artes, filosofia e música. Falava mais francês que alemão.
Curiosamente, foi o rei filósofo o grande conquistador militar da Prússia.
Logo que assumiu, ele iniciou sua campanha pela conquista da Silésia (hoje parte sul da Polônia).
Ao todo foram duas guerras da Silésia. A primeira durou de 1740 a 1742 e a segunda de 1744 a 1745.
Com isso ele tomou essas terras da Áustria e consolidou Brandemburgo (a Prússia até então pertencia ao príncipe-eleitor de Brandemburgo) como uma potência europeia.
Com tanto poder, Friedrich II já era visto por seus pares na Europa como uma ameaça.
Por esse e ainda outros motivos que não cabem ser aqui descritos, iniciou-se a chamada Guerra dos 7 anos (1756-1763).
Essa guerra teve repercussões inclusive no Brasil, já que Portugal participou ativamente do conflito. Esse é um dos motivos de a Ilha de Santa Catarina pertencer ao Brasil hoje.
Num dado momento durante essa guerra, Friedrich II e suas tropas se viram ameaçados pela Suécia, ao norte, Rússia, a leste, Áustria, ao sul e França a oeste!
Era todo mundo contra Friedrich II.
E então, lembra daquela vareta de metal para carregar os mosquetes? Fez toda a diferença.
Além disso, claro, o rei foi um dos maiores estrategistas militares, comparado a Júlio César e a Napoleão.
Em 1772, quando da divisão da Polônia, o rei Friedrich II ficou com a parte ocidental da Prússia. Com isso ele passa a ser chamado Rei da Prússia.
Friedrich II morre deixando um aparato estatal funcionando, um exército de 150.000 homens e muitas riquezas apesar das guerras.
Os avanços culturais da Prússia foram imensos
Não só de guerra viveu Berlim. A cidade passava por um florescimento cultural notável.
A biblioteca real foi construída, onde hoje fica a Juristische Fakultät, a faculdade de direito da universidade de Humboldt.
A Staatsoper, casa de ópera, foi inaugurada.
No Gendarmenmarkt foram feitas intervenções arquitetônicas visando o embelezamento da praça. É nessa época que surgem as torres da Catedral Francesa e da Catedral Alemã.

Alguns dos maiores intelectuais da época moraram em Berlim e frequentaram a corte do grande rei.
Entre eles os matemáticos Leonhard Euler e Joseph Lagrange. Em 1788, logo depois da morte de Friedrich II, o químico Martin Heinrich Klaproth descobre o elemento urânio.
O grande filósofo judeu Moses Mendelssohn (já escrevi sobre seu famoso neto, você com certeza também conhece) também residiu na cidade na época. Mas o grande destaque é para Voltaire. O filósofo francês morou por três anos na corte de Friedrich II.
Os belíssimos palácios de Potsdam foram construídos. Entre eles, o Sanssouci e o Neues Palais.
Berlim se via como uma nova Atenas, uma Atenas no rio Spree. A construção do Portão de Brandemburgo, no final do século XVIII, está diretamente relacionada a essa mentalidade.
A Prússia se tornava a principal potência de língua alemã e uma das maiores da Europa.
A grande humilhação da invasão napoleônica
Nada dura para sempre. Principalmente em se falando de história alemã.
Em 1806, apenas duas décadas da morte do velho Fritz (Frederico II), a Prússia é derrotada em Jena-Auerstedt pelos exércitos de Napoleão.
Foi uma grande humilhação para o poderoso reino.

Foi nessa época que a estátua que fica em cima do Portão de Brandemburgo foi retirada e levada para a França. (No nosso post sobre o Portão de Brandemburgo, Nicole explica esse história.)
Oito anos mais tarde, em 1814, a Prússia, com ajuda de outros países, se vinga e pega a estátua novamente.
A França revolucionária havia sido derrotada. O problema napoleônico estaria resolvido.
Nesse mesmo ano, Paris é ocupada pelo general prussiano Ernst von Pfuel. Já até escrevi sobre esse general e sua ideia de criar uma escola de natação dentro do rio Spree.
O Rei da Prússia como Imperador Alemão
A Prússia volta então a mostrar a sua superpotência na década de 1860.
Somente de 1864 até 1870, o reino da Prússia derrotou a Dinamarca, depois a Áustria e, por último, a França. Essas são chamadas Guerras de Unificação.
Depois desses conflitos, a Prússia se consolida como maior potência alemã, exclui a Áustria e unifica a Alemanha sob seu comando.
O rei da Prússia passa a ser o Imperador Alemão.

Esse é um tema que com certeza merece um post próprio. Uma marca na cidade de Berlim deixada por essa fase é a Siegesäule, a coluna da vitória.
A Primeira Guerra Mundial e o fim da monarquia
Claro. Esse aqui é outro tema que merece um post exclusivo.
Rapidamente falando, a Primeira Guerra Mundial durou de 1914 até 1918, durante o reinado do último imperador alemão, o Wilhelm II.
Uma curiosidade é que o documento que envia as tropas para a Primeira Guerra foi assinado num dos salões do Neues Palais, palácio construído pelo Friedrich II “o Grande” e até hoje no Park Sanssouci, em Potsdam.
Por conta da tradição militar da Prússia, o início da guerra foi comemorado em Berlim em agosto de 1914.
Aqui tem um pequeno vídeo mostrando o desfile das tropas enviadas para a primeira guerra mundial:
Os súditos do imperador imaginavam que até o natal daquele mesmo ano a guerra estaria ganha e eles estariam consolidados como a superpotência europeia.
Pois é. A guerra durou 4 anos e eles ainda foram derrotados.
Milhares de berlinenses morreram de fome, ou como consequência dela, durante a guerra.
Por conta de pressões de todos os lados, o imperador Wilhelm II abdicou de seu trono e se refugiou na Holanda, país ainda monárquico.
A república foi proclamada em 9 de novembro de 1918. Sobre isso eu também já escrevi neste post sobre o 9 de novembro.
Era o fim da monarquia, mas não ainda da Prússia
Sim. A Prússia sobreviveu à Primeira Guerra e ao fim da monarquia.
Só que agora era um território que funcionava como um estado.

Na ditadura nazista, o estado da Prússia aumentou novamente.
Muito do território conquistado na Polônia foi incorporado à Prússia. Algumas pequenas regiões da Alemanha também.
Depois da Segunda Guerra, todo o aparato governamental prussiano e toda a mentalidade militarista foram alvos dos aliados.
E foi somente em 1947, dois anos após o fim da Segunda Guerra, que qualquer tipo de organização governamental chamado Prússia foi dissolvido.
Os aliados vencedores do conflito quiseram ter a certeza de que a partir daquele aparato “Prússia” não nasceria mais nenhuma ameaça.
E assim acabou uma das maiores potências militares mundiais de séculos.
Talvez o esforço feito para que a mentalidade militarista da Prússia fosse suprimida tenha sido tão grande que hoje as pessoas nem mais saibam o que era a tal da Prússia.
Mas agora você sabe.
Fontes:
Wikipedia sobre a Prússia (em alemão)
Die Welt – Descobertas da Prússia (em alemão)
Preussencronik – Crônicas da Prússia – Frederich II (em alemão)
Brandenburg Gate – História do Portão de Brandemburgo (em alemão)
Sully Property Blog – Guerras de unificação (em inglês)
Livro Kleine Deutsche Geschichte
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Tem a ver:
Berlim, 1945: a paz não começa com o fim da guerra (parte 1)
Berlim, 1945: a paz não começa com o fim da guerra (parte 2)
Berlim, o grande palco do século XX
Adoro esses posts históricos!!! <3 <3 <3 Sabia da Prússia, mas só o básico sem tantos detalhes. E não tinha ideia do que significava Borussia hahaha.
Gostei muito do seu relato sobre a Prússia. Aprendí muito. Vou ficar groupie.
[…] Logo, vários territórios alemães se converteram, como foi o caso de Berlim em 1539, ainda na época da Prússia. […]
Hebreus eram (sao) bons de briga. Ha o Campo Santo (Cemiterio) Teutonico no Vaticano.
Minha avó era Prussiana, como é bom saber um pouco mais sobre a história.
Minha avó era Prussiana, como é bom saber um pouco mais sobre a história.
[…] Fato é que a guerra foi de 1618 até 1648. Algumas cidades alemãs chegaram a perder quase 90% de sua população. Berlim, relativamente pouco afetada, perde metade de seus habitantes. Escrevi brevemente sobre os efeitos dessa guerra para Berlim no meu post sobre a Prússia. […]
Parabéns. Ótimo texto. Leve e ao mesmo tempo muito detalhado.
Como os alemães encaram atualmente a memória e legado de seus imperadores? Principalmente do último, Wilhelm II?
[…] sofreu nesses períodos. Durante a guerra dos 30 anos (1618-1648), assim como Berlim, foi assolada pela peste. Populações de vilarejos nos arredores procuravam abrigo na cidade e as […]
Amei a aula de historia, obrigado.