Home História e Cultura O dia em que eu recebi um sobrevivente da segunda guerra mundial

O dia em que eu recebi um sobrevivente da segunda guerra mundial

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segunda guerra mundial, juventude hitlerista

O nome era alemão, mas julguei ser algum descendente do Sul do Brasil.

Pela escrita toda certinha, já percebi que tinha acima dos 60 anos de idade.

Ele escreve que vem com a esposa visitar Berlim. Avisa que estará chegando de trem de uma pequena cidade em Brandemburgo, nos arredores de Berlim – o que já me levou a supor que ele tinha parentes por aqui.

Fechamos um passeio de dia inteiro por Berlim, cobrindo toda a história da cidade, desde a sua fundação até a atualidade. Passando, claro, pelo intenso século XX.

Até aí, eu não tinha como imaginar que esse seria um dos passeios mais interessantes que eu faria.

Era chegado o dia. Eu vou até o local combinado, um hotel 5 estrelas no lado ocidental da cidade, e aguardo os dois na recepção.

Desce uma senhora na casa dos 60 e um senhor por volta dos 80 anos de idade. Depois vou descobrir que ele era um pouquinho mais velho do que julguei.

Fiquei preocupada se ele daria conta do passeio a pé que havíamos programado.

Logo no primeiro diálogo já esqueci essa preocupação. Ele me diz que já conhecia Berlim. Aliás, que já havia morado em Berlim na sua infância… mas que queria um passeio completo porque sua esposa não conhecia.

Acho que fiquei olhando pra ele com um olhar meio distraído enquanto fazia as contas de cabeça para tentar saber em qual época ele teria vivido por aqui.

E aí é que o negócio começa a ficar mais interessante.

Ele diz que veio pra cá em 1939.

E eu novamente devo ter ficado com o olhar distraído enquanto tentava imaginar o que danado ele teria vindo fazer em Berlim no ano em que a segunda guerra mundial iniciaria.

“Seria soldado?”, pensei. “Não, Não, muito novo.”

Eu não sabia o quanto eu podia escavar da história. Então fui deixando ele soltar aos poucos.

Com a irmã e o tio, ele partiu de navio, aos 6 anos de idade, tendo a Alemanha nazista como destino.

Naquela época, Hitler e Goebbels estavam bombardeando o mundo com sua propaganda. Chamavam os alemães de volta pra casa.

Aqui é importante entender que muitos alemães cruzaram o Atlântico no final do século XIX e também nas primeiras décadas do século XX em busca de uma vida melhor.

A primeira guerra mundial os deixou em uma profunda crise. Durante e depois da guerra, muitos morreram de fome.

O Brasil foi um dos países que recebeu essa onda migratória alemã. Entre os famintos e esperançosos, estavam o pai e o tio do Hans.

Aliás, aqui tem um artigo bacana sobre a Alemanha e os refugiados.

Quando Hitler chega ao poder e começa a investir a todo vapor na indústria de guerra, forçar produção e contratação, a Alemanha vai apresentar um “boom” econômico.

A imensa maioria dos economistas aqui concorda que foi artificial (eu não conheço um que acredite ter sido de fato um milagre econômico, mas como deve ter algum, não podia dizer que são todos… rs).

A Alemanha já havia chegado ao fundo do poço imediatamente antes da era nazista e os gastos de guerra de Hitler a impulsionaram.

E aí entra a propaganda. Aliada ao espírito de retomada. De orgulho nacional. De trabalho conjunto pelo bem da nação. Reconstrução. “Voltem, expatriados!”

E muitos voltam.

Entre eles, o Hans*. Nascido no Brasil, agora aos 6 anos de idade, vai parar num navio com seu tio e sua irmã um pouco mais velha. Em direção à Alemanha de 1939.

Ele disse lembrar bem da chegada deles ao porto.

Tinha uma quantidade exagerada de bandeiras, uma banda tocando, o prefeito recepcionando os chegados.

A Alemanha festejava a chegada de braços fortes – para produzir ou para lutar.

Atracando ali, o tio já sentiu que não conseguiriam mais retornar à casa do outro lado do Atlântico.

Ele manda uma mensagem para o seu irmão, pai do Hans, que havia ficado no Brasil à espera de uma notícia positiva para também fazer suas malas e embarcar. “Não venha. Estamos presos.”

E assim o Hans passaria 7 anos sem ver seus pais. E viveria a guerra mais sangrenta da história.

Como alemão, ele tem direito a estudar nas melhores escolas.
Lá ele observa os meninos mais arrumados, disciplinados e cheios de si. Eram os garotos da juventude hitlerista.

A Hitlerjugend era um movimento de crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos de idade. Através dele, as crianças aprendiam os ideais nazistas e, claro, sentiam-se importantes. O que atraía muitas crianças, inclusive o Hans.

Sem entender exatamente do que se tratava, ainda aos 6 anos ele ingressa à juventude hitlerista. Fardado, arrumado, disciplinado e orgulhoso, ele agora está inserido no sistema.

Quando os bombardeios começam a chegar aqui, a sua missão era a de recolher as bombas entre os destroços.

Nesta altura eu gostaria de lembrar que o pequeno Hans chegou com o tio – que não era propriamente nazista – aos 6 anos de idade. Na escola alemã, entra na juventude hitlerista por ser o caminho óbvio e almejado por todas as crianças ao seu redor.

Não era por ideal, era por conveniência.

A banalidade do mal, um ensaio da filósofa judia e sobrevivente do período nazista Hannah Arendt, explica bem esse fenômeno. Recomendo o livro Eichmann em Jerusalém, contendo o ensaio.

Quando toda a educação, meios de comunicação e imprensa são controlados pelo governo, como é possível entender o mundo para além do paradigma imposto?
Só valores muito fortes e bem definidos, tendo como pilares a própria família, conseguem evitar essa banalização.
Fica a reflexão.

A cada memorial relacionado à segunda guerra e ao período nazista pelo qual passávamos, algum comentário do Hans fazia enriquecer a narrativa.

Aqui no blog já escrevemos sobre vários desses emocionantes memoriais em Berlim.

Na altura do memorial do holocausto, enquanto eu falava sobre a maioria dos 6 milhões de judeus perseguidos serem poloneses ou soviéticos, Hans me disse que um dos seus tios era judeu.

Esse tio era chefe de uma fábrica aqui em Berlim, trabalhando “normalmente” até 1943, quando a situação fica mais complicada e os nazistas resolvem que Berlim seria uma cidade judenrein (livre de judeus).

Pacelli explica sobre esse momento tanto em seu ótimo post sobre o antigo bairro judeu, quanto no post sobre o memorial do protesto das mulheres contra o nazismo. Você pode acessar os dois aqui:

Bairro judeu: um passeio pelo antigo bairro no coração de Berlim

O protesto das mulheres contra o nazismo

Para não ser enviado a Auschwitz, seu tio foge daqui.

Emocionado, Hans me confessou que pediu ao tio para ir com ele. Mas o tio disse que não poderia levá-los.

Veja também: como ir de Berlim a Auschwitz

E aqui em Berlim ele fica. Vivencia dois grandes bombardeios na cidade e, morando nos arredores, lembra de se esconder ao ver os aviões passando, e também de observar curioso as batalhas no céu.

Muitas vezes os aviadores, para não serem abatidos, precisavam largar todas as suas bombas antes mesmo de entrar em Berlim e fugir do radar da Luftwaffe.

A Luftwaffe era a força área alemã e o seu prédio da era nazista ainda está intacto em Berlim – tenho um post sobre ele aqui.

Veja também: Berlim nazista: um roteiro pela capital do III Reich

Essas bombas eram então muitas vezes despejadas no vilarejo onde o Hans morava. E seu trabalho era recolhê-las das ruas. Aos 13 anos de idade.

Em maio de 1945 a guerra acaba na Europa. Mas o sofrimento não estava nem perto de acabar.

Pacelli tem dois posts maravilhosos sobre o ano de 1945 aqui na Alemanha e em Berlim. Comece com o primeiro: 1945, a paz não começa com o término da Guerra – parte 1.

Para Hans, inicia-se um tempo de fuga.

Depois do término da guerra, ele, a irmã e o tio começam uma jornada em busca de paz e segurança.

Depois de um período que, de acordo com Hans, pareceu muito longo, entre caminhadas infindáveis pela floresta e muita MUITA fome, finalmente eles chegaram à fronteira com a Suíça.

Lá foram recebidos pela Cruz Vermelha que os alimentou e então os pôs em um navio de volta ao Brasil.

E aí se foram 7 intensos anos de vida na Alemanha. Hans viveu na pele o desespero da guerra e o sofrimento do pós-guerra por aqui.

E eu tive o privilégio de apresentar uma nova Berlim a ele.

(*A história é real, mas Hans é um nome fictício.)

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14 COMMENTS

  1. Muito interessante sua experiência e narrativa. Acompanho vocês no Instagram e adoro todas as histórias e detalhes que vocês dividem conosco.
    Estamos morando na Suíça e qdo for para Berlim quero fazer o passeio com vocês! Será enriquecedor!
    Parabéns pelo ótimo trabalho!
    Kátia

    • Olá, Kátia! Muito obrigada pela mensagem!
      Será um prazer acompanhar você por aqui! Por enquanto agradeço a companhia no Instagram. 🙂
      Abraços!

  2. Fiquei curiosa de saber como o passeio tinha sido desde o dia que vcs postaram no stories! Que emocionante que deve ter sido mesmo! Imagino o sentimento de vcs ao poder escutar tudo que essa pessoa pode contar! Adorei o texto!!

  3. Que emocionante, adorei o texto!É maravilhosos poder ter uma parte da historia viva ainda do seu lado.
    Temos mesmo que dar grande valor pois são os últimos anos em que ainda teremos contato com quem viveu uma experiência tão distante da nossa realidade.

  4. Excelente relato, Nicole!
    Foi um privilégio esta troca de relatos e emoções! Fiquei arrepiada ao ler.
    Já fiz tours com descendentes de alemães da época da Alemanha Nazista e foi me senti em um filme ouvindo os relatos, fico imaginando você com um relato direto da época.
    Beijos!!!
    Camilian

  5. Que passeio comovente e que lindo você ter tido a oportunidade de mostrar outra Berlim pra eles.
    Beijocas

  6. Que história linda e emociinante. Como uma guerra, uma cabeça e a manipulação de informações podem destruir vidas sem mata-lás neh?! Incrível!

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