Eu fiz um post há um bom tempo sobre o antigo bairro judeu de Berlim, com um roteiro e tudo. Está entre os posts mais lidos do blog. Só tenho a agradecer a você. Cheguei a incluir, entre os pontos sugeridos, o mais antigo cemitério judeu de Berlim.
Esse post aqui pode ser visto como uma sugestão àqueles que já fizeram o roteiro do bairro judeu e pretendem conhecer um pouco mais da história dos judeus em Berlim.
Então vamos lá…
Brevíssima história dos judeus em Berlim
Como eu já mencionei no post sobre os prédios mais antigos de Berlim, a atual capital alemã data do século XIII, lá pra 1230.
E de fato a gente encontra confirmação de que famílias de judeus habitaram a cidade desde essa época.
Uma das primeiras menções, diga-se de passagem, foi de uma guilda medieval proibindo que seus membros comprassem materiais de judeus… pois é…
A primeira grande perseguição aos judeus em Berlim aconteceu na época em que a peste negra assolou grande parte da Europa, em 1348. Muitos foram mortos enquanto que outros tiveram que abandonar suas casas.
Em 1446, o príncipe-eleitor de Brandemburgo expulsou toda a comunidade judaica de seus domínios.
Como pode-se perceber, a vida desses judeus estava sempre sob o arbítrio de parte da nobreza e de superstições.
Guerra dos 30 anos e a vinda “definitiva” dos judeus
Pretendo escrever um post exclusivo sobre a terrível guerra dos 30 anos. É um tema importantíssimo para entender a história e parte da arquitetura de Berlim. Mas enquanto o post não sai, vai aqui uma rápida explicação.
A Guerra dos 30 anos (1618-1648) foi inicialmente uma guerra de cunho religioso entre católicos e protestantes. Do lado católico, Ferdinando II, imperador do Sacro Império. Do lado protestante, Gustav Adolph, rei da suécia.
Essas duas potências militares lutaram ferozmente dentro da atual Alemanha. Algumas cidades alemãs da época chegaram a perder quase 90% de sua população por conta das doenças, da fome e das batalhas decorridas durante essa guerra.
Berlim perdeu cerca de metade de sua população.
Quando a guerra acaba, o príncipe-eleitor de Brandemburgo, visando repovoar seu território assolado pela guerra, tem a ideia de convidar grupos religiosos que estava sendo perseguidos em outras partes da Europa.
Vieram principalmente huguenotes, protestantes franceses, assim como muitos judeus.
Esses judeus que se mudaram para Berlim no século XVII formaram a primeira comunidade permanente daqui. Ao menos até a época do nazismo.
Pode ver que o primeiro cemitério judeu de Berlim é exatamente dessa época, de 1672, como mostrado no post do bairro judeu.
Cemitério judeu da Schönhauser Allee
Ainda no início do século XIX, a população de judeus em Berlim já começava a crescer.
O antigo cemitério da Grosser Hamburger Strasse já não dava mais conta.
Daí é que o cemitério judeu da Schönhauser Allee foi construído, já em 1827. Na época, bem nos limites da cidade de Berlim.
Esse novo local tinha já na época 5 hectares. Isso correspondia a 10 vezes o tamanho do anterior.
Na altura da unificação alemã e formação do império, em 1871, a comunidade judaica da capital era de 36 mil. Em comparação com a população total, de 820 mil, daria uns 4%.
E há uma curiosidade. Durante o século XIX, a comunidade judaica de Berlim estava se integrando profundamente na sociedade alemã.
De modo que, nesse cemitério, já encontramos lápides escritas em alemão. Até o século XVIII, era tudo em hebraico, como no antigo cemitério da Grosse Hamburger Strasse.
Pessoas de destaque lá enterradas
Na segunda metade do século XIX, a comunidade judaica de Berlim já era bem próspera e bem integrada. Não seria exagero dizer que boa parte da elite intelectual e financeira da Prússia era composta de judeus.
E exatamente por isso que muitos judeus famosos na história alemã estão enterrados por lá.
Max Liebermann (1847-1935) – é um dos maiores pintores impressionistas de toda Alemanha. Ele, sua esposa, e outros de sua família estão enterrados lá.
Gerson von Bleichröder (1822-1893) – foi um dos mais importantes banqueiros do século XIX. Ficou conhecido como o banqueiro de Otto von Bismarck e chegou a ser agraciado com um título de nobreza.
Ludwig Loewe (1837-1886) – grande empresário do ramo de maquinários. Sua empresa, Ludwig Loewe & Co produzia desde máquinas de costuras até armamentos e munições para o exército prussiano.
Vandalismo e destruição
Infelizmente o cemitério judeu da Schönhauser Allee sofreu severos danos durante a segunda guerra e o nazismo.
O cemitério chegou de fato a ser bombardeado, mas não só isso o danificou.
Durante a guerra, os nazistas pegavam quase tudo que havia que fosse feito de metal para utilizar na indústria da guerra.
Isso explica um pouco o porquê de na Alemanha haver relativamente poucas estátuas de bronze antigas.
Sim, muitas foram derretidas para a fabricação de armas.
O mesmo aconteceu com ornamentos e grades do cemitério judeu. Esse material foi retirado para o esforço de guerra. E isso, claro, sem o menor cuidado.
Além disso, muitas das lápides foram utilizadas na defesa final de Berlim como barricadas.
Com isso tudo somado aos bombardeios, pode-se imaginar o estado no qual o cemitério ficou.
Ainda na época da DDR (Alemanha Oriental) também houve vários casos de vandalismo.
Na década de 80, quando a comunidade judaica recebeu aquele terreno de volta, o trabalho para tirar a vegetação que havia crescido no local foi enorme (e essa vegetação ainda pode ser vista).
E todo esse trabalho apenas para confirmar o estado lastimável do cemitério.
Reflexões
E o interessante é notar que esse cemitério, por um breve momento, fez-me lembrar da recente história do povo judeu.
Foi desrespeitado, agredido, parcialmente destruído. Toda essa história conturbada é percebida, mas ambos, o povo e seu cemitério, permanecem de pé, e estão lá para servir de lição para todos.
Nós fortemente recomendamos a visita não só para aqueles que se interessam por essa parte da história ou para os nossos leitores judeus.
Sugerimos também para aqueles que estiverem fazendo um passeio pelo bairro de Prenzlauer Berg. É um pequeno desvio de poucos minutos.
É interessante como uma visita a um cemitério pode trazer uma reflexão sobre a vida. E esse em especial.
Aviso aos leitores homens: vocês devem cobrir a cabeça na visita a um cemitério judeu. Logo na entrada há uma caixinha com vários quipás para usar e devolver depois.
Como chegar
Schönhauser Allee 25, 10435.
A forma mais fácil de chegar é pela estação de U2 Senefelder Platz.
Fonte
Livro: Erinnerungsorte in Berlin
Wikipedia: Vida judaica em Berlim (alemão)
Textos presentes nos memoriais (você encontra indo até lá em inglês e em alemão)