Reagan em Berlim
Há 30 anos, no dia 12 junho de 1987, o presidente americano Ronald Reagan em Berlim deu um discurso histórico. O evento ocorreu diante de um grupo de mais de 20.000 pessoas, nas costas do Portão de Brandemburgo.
Mas diante de que contexto Reagan veio a Berlim? Por que a frase ficou tão famosa?
Relação Estados Unidos – União Soviética
No final dos anos 70 tem início a chamada Segunda Guerra Fria.
A União Soviética instala mísseis de médio alcance na Europa. Os EUA ameaçam instalar também mísseis nucleares na Inglaterra, Alemanha Ocidental e na Itália.
A União Soviética invade o Afeganistão em dezembro de 1979 e leis marciais são impostas na Polônia em 1981.
Reagan chama a União Soviética de Império do mal no ano de 1983.
O diálogo entre os dois países praticamente cessa.
O gelo na relação entre as duas superpotências só volta a ser quebrado em 1985, quando Mikhail Gorbachev ascende ao poder como secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS)
A possibilidade de um conflito nuclear voltava a assustar o mundo, principalmente a Alemanha, já que ficava bem do meio das áreas de interesse das potências.
Relação Alemanha Ocidental – Alemanha Oriental
Diante desse cenário, as duas Alemanhas ensaiam uma aproximação. O maior incentivo aos diálogos era a ameaça da destruição nuclear da Alemanha.
Além disso, a Alemanha Oriental estava à beira de um colapso econômico.
A União Soviética, por conta de seus próprios problemas de abastecimento, havia parado de enviar toneladas de grãos e mantimentos para a Alemanha Oriental.
Em 1983, Honecker, o líder do partido que comandava a Alemanha Oriental, recorre à Alemanha Ocidental e consegue 3 bilhões de marcos emprestados. Um desses bilhões estava atrelado à liberação de prisioneiros políticos nos cárceres da Alemanha Socialista.
Esses bilhões de marcos emprestados garantiriam uma sobrevida ao governo da Alemanha Oriental.
Essa aproximação entre Honecker e Schmidt, chanceler da Alemanha Ocidental, foi chamada de “coalisão da razão”.
Situação da União Soviética
A situação econômica da União Soviética também era muito grave.
Gorbachev percebia que se algo não fosse feito, o colapso ocorreria em seu próprio país.
Um dos motivos para as dificuldades econômicas era o pesado gasto da União Soviética com armamento.
Para os comunistas manterem um patamar de gastos próximo ao dos EUA, muito de sua capacidade produtiva era sacrificada.
O problema é que esse sacrifício já vinha sido feito há décadas, e não havia mais espaço para apertos.
É aí que Gorbachev começa a falar em Glasnost (abertura) e em Perestroika (reforma).
Para isso, claro, ele precisava diminuir as tensões com os EUA e criar um clima mais amigável. Com Reagan como presidente americano, isso foi possível.
Inicialmente, o governo de Reagan ficou bem desconfiado das intenções dos comunistas. Porém, depois de algum tempo, e do encontro dos dois em Reykjavík, eles passaram a se entender bem.
Em 1987 eles assinaram um acordo de retirada dos mísseis de médio alcance da Europa num prazo de 3 anos.
Reagan, em 1990, declarou que sua relação com Gorbachev era de amizade.
Situação da Alemanha Oriental
O completo colapso do sistema socialista da Alemanha Oriental batia à porta.
A situação era tão preocupante que a Stasi (polícia secreta da Alemanha Oriental) alertou o governo central sobre a deterioração do apoio da população ao governo.
Indústrias inteiras tinham quebrado, a infraestrutura básica estava caindo aos pedaços. O abastecimento de produtos básicos era insuficiente.
Quando a União Soviética pára de enviar mantimentos, a situação já era preocupante.
Honecker, o líder da Alemanha Oriental, fica ainda mais preocupado com a chegada de Gorbachev ao poder e sua retórica favorável a abertura (Glasnost) e reforma (Perestroika).
E era isso que mais preocupava Honecker.
E isso porque no final de 1986 Gorbachev anunciava os novos princípios de cooperação do Pacto de Varsóvia. De acordo com os novos princípios, cada país estaria soberano para fazer suas próprias reformas e modernizações. Os países membros teriam maior autonomia. Falava-se inclusive em soberania de cada país para resolver seus problemas e traçar seu próprio caminho no socialismo.
E por que a Alemanha Oriental acharia isso ruim?
Bom, essa mudança representava o fim da doutrina de Brezhnev, que garantia à União Soviética o direito de intervir, inclusive militarmente, em qualquer um dos países sob sua influência, caso o comunismo estivesse sob risco.
Para a elite governamental da Alemanha Oriental, isso representava uma profunda quebra do status quo. Agora eles teriam que se virar sozinhos e, caso algo acontecesse, proveniente de agentes internos ou externos, não teriam apoio da poderosa União Soviética.
Era uma seríssima ameaça à existência da Alemanha Oriental.
A relação entre Honecker e Gorbachev piorava cada vez mais.
E isso, vale lembrar, ao passo que os laços entre o líder soviético e o presidente americano só se estreitavam.
O discurso de Reagan foi no ano de 1987
Nesse ano, os esforços diplomáticos de Honecker se voltaram para a Alemanha Ocidental.
Ele consegue um visita oficial marcada para setembro de 1987 em Bonn (antiga capital da Alemanha Ocidental).
O prefeito de Berlim Ocidental chega a convidar Honecker para visitar esse lado da cidade durante as comemorações dos 750 anos de Berlim.
A administração de Reagan, tendo como intenção isolar a Alemanha Oriental e preocupada com a aproximação excessiva das duas Alemanhas, avisa que não quer que os alemães ocidentais peguem leve demais com Honecker.
É aí que, mesmo antes da visita oficial de Honecker à Alemanha Ocidental, Reagan visita Berlim e dá o célebre discurso.
O detalhe é que, na parte mais famosa de seu discurso, Reagan fala diretamente a Gorbachev, mesmo em se tratando de um tema que dizia respeito à Alemanha Oriental de Honecker.
Foi aí que ele falou as famosas frases:
“Sr. Gorbachev, abra este portão. Sr. Gorbachev, derrube este muro”.
Regan estava diante de milhares de pessoas detrás do Portão de Brandemburgo, ao lado do presidente alemão von Weizsäcker e do Chanceler Helmut Kohl.
Você pode ver esse trecho aqui, mas também recomendo o discurso inteiro para aqueles que entendem bem inglês:
https://www.youtube.com/watch?v=xfZgR5KOIXs
Quando Honecker visitou Bonn, aparentemente a Alemanha Oriental estaria prestes a ser bem reconhecida.
Mas, durante sua visita, os avisos da administração de Reagan para que os alemães ocidentais não pegassem leve com Honecker parecem ter surtido efeito. Ele ficou isolado ouvindo as acusações de atentados contra os direitos humanos.
Mas o muro de Berlim ainda estava em pé
O muro ainda demoraria 2 anos para cair.
E tudo aconteceu de maneira completamente inesperada. Tanto que 3 pessoas morreram tentando fugir no ano de sua queda, em 1989.
Uma pesquisa de 1987 entre os alemães ocidentais mostrou que quase 80% deles não acreditavam que o muro fosse cair ainda no século XX.
Felizmente eles estavam errados.
Essa é outra história que merece um post próprio.
Consequências das políticas e do discurso de Reagan em Berlim
A política de Reagan e sua visita a Berlim, há exatos 30 anos, teve uma contribuição, ainda que de difícil mensuração, para a queda do muro de Berlim e para a reunificação do país.
Por mais que o presidente americano tivesse sido aconselhado por alemães e americanos a pegar leve no discurso para não deteriorar sua relação com Gorbachev, ele ousou e fez história.
E nós aqui estamos a contando pra você.
É como dizemos: Berlim é o principal palco da história do século XX.
Fontes
Zolling, Peter. Deutsche Geschichte von 1871 bis zur Gegenwart. dtv, 2009.
Hertle, Hans-Hermann. The Berlin Wall Story, Biography of a monument. Ch. Links, 2016.
Muito bom o post, Pacelli. Parabéns
Que bom que gostou. 🙂